O segundo lugar do Concurso de Contos O espírito do Natal em Evidência ficou com Aline Cristian Cruz Silva, autora do conto “Um Natal inesquecível”. Seu conto apresenta as memórias de Otília, trazidas à tona pela narradora, que relembra saudosamente as histórias contadas pela avó. Em meio a revelações familiares, a narrativa conduz o leitor à percepção da luz que emana de sentimentos como o amor e a solidariedade.
Deleite-se e emocione-se com mais este lindo conto de Natal!
Um Natal inesquecível
A primeira contadora de histórias que conheci foi a minha avó Otília. Não havia data comemorativa que não lhe trouxesse uma lembrança a ser compartihada, um causo curioso, uma boa história a ser contada.
Neste Natal, ela não estará mais conosco. No dia 27 vai fazer um ano que ela nos deixou. Mas esta grande personagem sempre estará presente na memória de todos nós. E suas histórias, fictícias ou reais, tenho certeza, serão sempre lembradas geração após geração.
Mas a mais especial de todas, sem dúvida, ela nos contou no Natal de 1977.
O Natal sempre foi para nós a data mais esperada do ano. Iniciada pelo aroma dos jasmins, as músicas e a decoração das lojas e shoppings, a competição de pisca-piscas das casas e jardins. A montagem da árvore com data marcada e que vira motivo de festa. O verde, o vermelho e o dourado inundando a cidade; as listas e a compra dos presentes, a correria inevitável das ruas.
Naquele Natal, depois da ceia, na hora de abrirmos os presentes, quando Daiane abriu o seu, e era um livro enorme, destes que ao ser folheado fazia surgirem castelos, dragões, fadas, cavaleiros, princesas e bruxas que se armavam, dona Otília comentou:
– Este livro me lembra um outro, de muitos anos atrás, que também foi presente de Natal. Na verdade o primeiro livro de um menino que nunca tinha tido uma festa de Natal antes.
– Conta aí, vó – disseram em coro Mariana e Juliana, as gêmeas da casa.
“Isso faz uns trinta anos. A família era formada pelo casal e mais três filhos. Moravam numa casa de dois quartos. Os pais trabalhavam o dia inteiro e as crianças ficavam em casa a maior parte do tempo sozinhas. Naquele dia, faltara luz e a filha do meio,com a vela na mão, aproximou-se distraidamente da janela. O fogo espraiou-se rapidamente pela cortina. Foi a irmã mais velha que salvou as outras duas, cobrindo-as com o cobertor e carregando-as no colo.
E ainda voltou, porque preocupou-se em salvar a boneca preferida da irmã, o presente de Natal do irmão, que já estava comprado; o vestido preferido da mãe, e a foto do avô, que o pai tinha mandado emoldurar recentemente. Mas felizmente, os bombeiros não demoraram a chegar, e ainda que a tivessem encontrado desacordada e bastante queimada, em dez dias, a menina teve alta.
Nesse período, uma romaria de vizinhos se ofereceu para reconstruir a casa e foram tantas as doações de roupas, utensílios e alimentos, que a mãe não achou justo nem decente que aquilo tudo não fosse repartido com quem mais precisasse.
De modo que quando a filha saiu do hospital, a mãe fez questão de cumprir a sua promessa e com a filha compartilhou em algumas entidades a solidariedade que recebera da vizinhança.
E foi assim que o que poderia ter sido uma tragédia maior transformou-se em motivo de alegria e conforto para muitas outras famílias. Gesto que, alíás ,passou a ser naturalmente e rigorosamente praticado em todos os Natais vindouros.
O que ninguém imaginava é que também a vida daquela família jamais seria a mesma.
Foi num abrigo de crianças que mãe e filha conheceram um garoto muito especial. A empatia foi imediata e logo se instalou a ideia de que poderiam apadrinhá-lo, levando-o para passar um Natal em família. O pai no início ficou reticente, mas a mãe que acreditava em milagres, fez ver-lhe que nada era por acaso e que toda a a benção e graça que haviam recebido por ainda terem ao seu lado seus filhos vivos e sãos, não seriam pagas em uma vida. Sem falar em toda a ajuda que receberam até de desconhecidos para refazer o seu lar.
Então, pela primeira vez em sua vida, aquele menino enfeitou uma árvore de Natal. Vestindo roupas limpas e novas, sentou-se à mesa de uma casa modesta, de janelas sem cortinas, para saborear uma ave enorme rodeada de frutas,e depois, ao som de músicas que ele só conhecia das portas das lojas, abrir os embrulhos coloridos dos presentes. E o fez tão lentamente quanto pôde, para que tal momento nunca mais acabasse. Mas de todos os presentes: carrinho, bola e roupas, do que ele mais gostou foi o livro. Um livro parecido com este, que tu ganhaste hoje, Daiane!
Aquele foi um Natal para nunca mais se esquecer. Aliás, foi o primeiro de muitos Natais que Gabriel viveu com essa família. Na verdade, que vive até hoje!!”
Minha avó terminou a história bastante emocionada. Emocionados estávamos todos nós, é claro. Especialmente meu pai, que a abraçou com lágrimas mal contidas, recordando aquele Natal, o seu primeiro Natal.
E foi assim, que eu e minhas irmãs descobrimos estupefatas a origem do meu pai, contada pela minha própria avó Otília – a maior contadora de histórias que conheci em toda a minha vida – naquele Natal que será para sempre inesquecível.
Aline Cristian Cruz Silva
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